O surgimento da indústria chinesa de baterias para veículos elétricos
Durante os Jogos Olímpicos de 2008 em Pequim, a China deu um passo decisivo rumo à construção de uma indústria poderosa e estratégica: a produção em larga escala de baterias de íons de lítio para veículos elétricos (VE). Naquela edição, cerca de 50 ônibus alimentados por baterias elétricas, com design sofisticado e ecológico, pavimentaram o caminho para que o país se tornasse, em pouco mais de uma década, a maior potência mundial no setor.
Na época, a indústria chinesa de baterias era incipiente. Segundo Mo Ke, fundador da RealLi Research, existiam poucos produtores nacionais, como Mengguli e Wanxiang, responsáveis pela maior parte das baterias dos ônibus olímpicos. Em 2005, a indústria reunia cerca de 200 pessoas em sua primeira conferência nacional. Já em 2024, mais de 75% das baterias de íons de lítio produzidas mundialmente são chinesas, e o país abriga seis das dez maiores fabricantes globais, incluindo gigantes como a CATL e a BYD.
Políticas governamentais que impulsionaram a ascensão
O protagonismo chinês não se deve apenas ao tamanho do mercado interno, mas sobretudo a um conjunto de políticas públicas inteligentes e coordenadas. O governo estimulou o setor por meio de:
- Subsídios aos consumidores para incentivar a compra de veículos elétricos;
- Criação de redes de carregamento financiadas pelo Estado, ampliando a infraestrutura;
- Regras que obrigaram fabricantes a produzirem veículos elétricos e a usarem baterias nacionais para receber apoio estatal;
- Planos estratégicos de longo prazo, como o programa lançado em 2006 que priorizava tecnologias de baixo carbono e NEVs (New Energy Vehicles), veículos movidos a energias novas.
Essa política de mercado protegido e direcionado foi fundamental para que empresas locais, antes pequenas ou dependentes, pudessem se desenvolver e competir internacionalmente com rapidez e eficácia.
Inovação, integração vertical e formação técnica: pilares do sucesso
Além das políticas, o domínio chinês provém de uma combinação de competência industrial e inovação constante. As empresas chinesas, como a CATL, utilizam o modelo de integração vertical, controlando boa parte das cadeias de fornecimento para garantir redução de custos e segurança na produção.
Essas gigantes são reconhecidas por sua capacidade de fabricar baterias em larga escala com alto nível de automação e qualidade rigorosa. Como explica o pesquisador Liu Chengguang, a produção envolve centenas de pequenas células com características quase idênticas para garantir segurança e desempenho, algo que as fábricas chinesas dominam com excelência.
A constante busca por inovação tecnológica também é uma marca destas empresas. A BYD, por exemplo, desenvolveu a bateria de lâminas de lítio-ferro-fosfato (LFP), que é mais barata e segura. Seu aprimoramento fez com que a tecnologia fosse adotada amplamente, alterando o mercado interno.
Outro diferencial é a formação de engenheiros especializados, considerados “engenheiros praticantes”, que atuam tanto no desenvolvimento tecnológico quanto na otimização dos processos produtivos, garantindo agilidade na comercialização de avanços técnicos.
Desafios e perspectivas para manter a liderança
A China detém hoje cerca de 85% da capacidade global de produção de baterias, contra 5% da América do Norte e 7% da Europa, segundo a consultoria Wood Mackenzie. Essa escala, somada à complexidade do ecossistema industrial criado nas últimas duas décadas, torna difícil que outros países consigam desafiar a supremacia chinesa no curto prazo.
No entanto, a principal vulnerabilidade apontada por especialistas está no desenvolvimento de tecnologias de ponta, como as baterias de estado sólido, que podem romper com a cadeia atual baseada em eletrólitos líquidos. Segundo Mo Ke, caso outros países avancem significativamente nessa área, podem surgir novas oportunidades de concorrência.
Enquanto isso, a dependência dos EUA e de outras regiões em relação à China para baterias tradicionais permanece alta. Mesmo com avanços pontuais no desenvolvimento tecnológico, a fabricação em escala e o controle do mercado são desafios gigantescos para concorrentes fora do país asiático.
Como destacado pelo analista Anders Hove, “o crescimento da indústria de baterias de um país não significa competição autônoma, é necessário cooperar com empresas chinesas para adquirir know-how e desenvolver tecnologias inovadoras.”
A determinação, planejamento estratégico e integração industrial da China aceleraram a sua escalada na indústria dos veículos elétricos, transformando o país em uma potência imprescindível para a transição global rumo a emissões zero até 2050.
