Entenda a tecnologia por trás dos reencontros virtuais com pessoas que já morreram
Um aplicativo revolucionário chamado 2Wai tem chamado a atenção nos Estados Unidos ao possibilitar que usuários criem avatares virtuais de pessoas que já faleceram. Utilizando inteligência artificial, o app recria essas pessoas para que seja possível interagir com elas em tempo real, simulando conversas e lembranças.
Para isso, é necessário primeiramente gravar um vídeo da pessoa ainda viva pelo próprio aplicativo, em um processo que dura cerca de três minutos. Com as imagens e áudios captados, a tecnologia de IA gera um gêmeo digital capaz de reconhecer o usuário, reproduzir o modo de falar e até recordar informações compartilhadas durante as interações anteriores.
Viralização e reações na internet
Um vídeo demonstrativo publicado pelo cofundador da startup, Calum Worthy, já superou 40 milhões de visualizações no X. Nele, uma mulher grávida conversa com a mãe já falecida, que conta histórias para o bebê. A sequência emociona ao mostrar a criança, já crescida, utilizando o mesmo app para falar com a avó.
No entanto, a recepção ao 2Wai é controversa. Entre comentários que elogiam a tecnologia, há também críticas severas. Usuários afirmam que a ferramenta pode afastar as pessoas do processo natural do luto e causar uma ilusão de realidade, dificultando a aceitação da perda.
Funcionamento e limitações do aplicativo
Além de criar avatares de pessoas falecidas, o 2Wai permite gerar ‘HoloAvatars’ de outras personalidades, como personal trainers, escritores ou astrólogos. Porém, para recriar alguém que já morreu, é imprescindível ter um vídeo gravado antes do falecimento, com a pessoa falando e se movimentando.
A empresa informa suportar mais de 40 idiomas, mas não revela se o português do Brasil está disponível até o momento. Atualmente, o app está disponível apenas para iPhone (iOS) nos Estados Unidos, com previsão para lançamento em Android em breve. O serviço é gratuito, mas pode incluir assinaturas ou compras internas futuramente.
Especialistas alertam para riscos emocionais
Mariana Malvezzi, psicóloga e psicanalista da faculdade ESPM, destaca que embora a tecnologia possa oferecer companhia a quem sofre com a perda, ela também pode gerar confusão entre o real e o simulado. Segundo ela, “a mesma tecnologia que oferece companhia pode gerar confusão entre o real e o simulado, criar dependência afetiva e, em alguns casos, amplificar a angústia”.
A técnica de replicar entes queridos falecidos por meio de inteligência artificial é conhecida como grief tech ou “tecnologia do luto”. Malvezzi afirma que essa tecnologia pode atrapalhar o movimento de simbolização necessário no luto, que consiste em reconhecer a morte e ressignificá-la aos poucos. Ela explica que “essa ilusão da IA pode minar a autonomia emocional, afastar o enlutado de rituais do luto e dificultar o movimento de simbolização”.
Uma pesquisa recente da ESPM, realizada com 267 brasileiros que perderam familiares nos últimos dois anos, revelou que um em cada quatro entrevistados se imagina usando inteligência artificial para conversar com entes já falecidos. Esse dado demonstra o interesse crescente nesse tipo de tecnologia, apesar das controvérsias envolvidas.
O avanço da inteligência artificial no reencontro com os mortos
A utilização de IA para ‘reviver’ pessoas já falecidas tem ganhado espaço em outras situações globais. Em maio, um caso polêmico nos Estados Unidos mostrou uma vítima de homicídio representada por um avatar de IA que participou do julgamento do atirador no Arizona, expressando arrependimento simuladamente ao acusado.
Também houve repercussão quando o jornalista Jim Acosta, ex-âncora da CNN, “entrevistou” uma versão digital de Joaquin Oliver, vítima do massacre em uma escola da Flórida em 2018. O avatar, criado a partir de uma foto e gerado pela IA, reproduziu voz e movimentos, promovendo reflexões sobre o uso ético dessas tecnologias.
Esses exemplos ilustram que a tecnologia de inteligência artificial para criar ‘reencontros’ virtuais com pessoas falecidas desafia fronteiras emocionais e éticas, estimulando debates sobre seu impacto no processo de luto e no contato com a realidade.
